sábado, 4 de julho de 2020

Nome pessoal e pronome próprio (e vice-versa)

Agora Ella se sentia tão sem rumo, tão perdida, tão sem lugar que só queria poder  dormir por horas e horas. Talvez fosse a inconsciência mandando pequenas pistas de que mais uma batalha vinha pela frente e que ela precisava se preparar.

Ella, que esteve em paz por um bom tempo, havia optado pela guerra. Mesmo com todos os alertas sussurrantes, ela optou pela batalha do improvável contra o aprazível. A certeza do deleite momentâneo sempre caminhou de mãos dadas com a iminente aflição.

 Tantas vezes ela quis não querer... Tantas outras desprezou sensações que não sabia se nomeava intuição ou ansiedade. No final, sabia que tudo era sintoma, no sentido literal da percepção da alteração da normalidade que cada um cria pra si.

Mas a transgressão  fascina Ella com  a mesma força que a amedronta. É um poder que desafia suas experiências. Que ignora seu conhecimento prévio. Que esfrega na sua cara que muitas vezes o saber vale apenas como mais um item no seu checklist de vida. Que conhecimento sem aplicação nunca foi aprender. E, olha, tem coisa que Ella não aprendia!

E agora ela estava ali. Fingindo que não sabia o que  fazer. Tentando registar sua quase confissão em uma tela que tinha o brilho que ela queria para seu caminho, a partir de hoje, numa tentativa de criar um álibi para um crime futuro . Afinal de contas, " Um homem nada pode aprender senão em virtude daquilo que ele já sabe".

"Aqui vou eu", pensou. De peito aberto, mas de olhos fechados para não enxergar o abismo no qual estava prestes a cair. Tentando fabricar a esperança de uma luta razoável, de curto prazo e que a inspirasse a criar um teorema que ela pudesse esfregar na própria cara, cada vez que ousasse desafiar axiomas.

Como se a tarefa não fosse difícil o suficiente, Ella sentia um pesar que só de falar lhe embrulhava o estômago e a obrigava a engolir o choro. "Nunca vai ser bonito lutar contra o amor. Nunca vai ser corajoso desistir de um sentimento tão real quanto forte", pensava.

Esquecer o quão bem fez alguém que hoje ela precisava deixar, para não esquecer  d'Ella mesma. Mas ela queria poder olhar para o que passou e falar "Quem é que não aprende mesmo, em? ".

Então, quando estava prestes a terminar seus devaneios, teve a sensação de fogo na garganta e soube logo: era a centelha da expectativa otimista incitando sua presunção tão vaidosa quanto tímida.

Ella já não sabia mais se queria ter razão ou ser feliz.

Amanhã ela acordaria e tentaria racionalizar a frase feita, antes de tomar uma decisão. Por que para agora, ela queria apenas aceitar o chamado do subconsciente e fugir, ops, dormir.

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