domingo, 29 de junho de 2025

Água que não leva

Sábado à noite. Lavei o chão da sala. Música, água e sabão. Abaixei para torcer o pano e vi meu reflexo no fundo do balde que já desejei chutar mil vezes. Era uma silhueta escura apenas. Olhei e pensei, sem motivo aparente, que eu não sabia dizer quem eu era. Quem fui até aqui. Nem ao menos quem eu gostaria de me tornar. Não sabia mesmo me descrever. Vai ver nunca tenha existido um "eu" legítimo. Talvez uma mulher nunca seja algo além uma mescla de gente que precise apoiar e acompanhar ao longo da vida. Uma mistura de "só tenho que" com " quem sabe amanhã " tão homogênea que se passa pela pureza de uma substância que dá o sentido da existência real de um ser. Ser forjado culturalmente para servir, ainda hoje caio nas armadilhas desse engodo que romantiza a exploração de maneira tão sutil, velada, encoberta, disfarçada, dissimulada que deixa na palavra de protesto um gosto amargo de culpa por apenas não querer mais ser. E como é solitário assumir a dureza dessa verdade e ao mesmo tempo não se dar em rendição por amor. Não o próprio, que para isso teria que me reconhecer. A questão é que esse amor não garante o mesmo amparo e companhia que oferece quando a conta da subserviência chega. O saldo é geracional e, por tanto, não quita a dívida que provavelmente ficará para outra mulher forte, independente afetuosa, resiliente e exausta. Mas o que importa é que a casa está limpa e posso andar descalça sem sujar os pés. 

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