sábado, 9 de novembro de 2024

Sentença.

 Ninguém está imune.

Em um minuto, em quase imperceptíveis frações de segundo, o portal magicamente real do que se acredita sobre o viver, te suga para um lugar que ninguém sabe bem onde é . Então, o bem que se confunde mal; a saúde se traveste adoecida; a lucidez se converte; a lealdade se cansa e trai; a menina acorda senil e vai crochetar ilusões. Ali, já do outro lado, sem saber  calcular o quanto já caminhou, você segue urdindo a linha do tempo que também mal se sabe quem começou. Você continua tecendo o ponto cruz que cada um precisa carregar e que talvez, apenas talvez, seja mesmo sua.

Ninguém está imune.

O vírus que vem sempre em larga escala, provoca uma epidemia de nostalgias e salpica a vida com grandes saudades e alguma solidão não mensurável, porque, né, a gente não se especializou na gente mesmo. Então, a gente se vacina da gente mesmo e depois quer se embriagar do outro. É claro que não ia dar certo.

Ninguém está imune.

Côncavo ou convexo, na reta final, todo mundo se vê refletido no espelho.  A gente se enxerga  sem querer ver. Mas os olhos da alma não tem como cerrar. E, por isso, às vezes, a gente aperta os olhos para embaçar o que está bem  ali, nua, sem pudor, e crua, sem sabor - a verdade que sussurra:

Ninguém está imune a absolutamente nada.

sábado, 26 de outubro de 2024

Lentes divergentes (para corrigir a miopia)

Sua escrita pífia é restrita a um lamento piegas de quem se sabe responsável por sua própria existência e que conclui, resoluta, ser ela uma coletânea de grandes desilusões e pequenos fracassos.

Sempre numa busca velada por reconhecimento intelectual, é uma pensadora (do simples ato de processar ideias, mesmo) que tem um talento que se restringe  em saber requentar palavras em frases de efeito reformadas por suas péssimas escolhas. Resignada, percebe-se momentaneamente despida de sua mortalha feita de sonhos tímidos e incompetentes,  defronte ao seu espelho julgador. 

Cínica arrependida, não acredita que haja tempo e busca um pretexto que a distraia dessa certeza tão sincera quanto dura, enquanto sente, por alguns segundos, abençoadamente enganada por uma narrativa mundana espiritualizada disfarçada de (mais uma) chance. Carrega a calma dos desiludidos como escudo e empunha a espada dos sentimentos adormecidos, para afastar os maus espíritos.

Esforçada, empenha-se em crer e fazer crer os que lhe são caros, para sua redenção não literal.

Deseja, resumidamente e acima de tudo, o conforto do bom final, pelo que torce que se demore, para que assista a história fazer sentido, afinal de contas,  viver é maravilhoso e um encantador jargão existencial.

terça-feira, 29 de junho de 2021

Ei, você !

Ô, menina, que pena ver você ser assim passada pra trás pelo seu próprio espelho. Se achando o centro do mundo do outro, cega, iludida e melancólica. De uma melancolia tão carente de compreensão, que se defende com a agressividade do órfão abandonado. Arrogância disfarçada de autonomia.

Escuta, moça, deixa eu te contar,  prepotência e autossuficiência só têm em comum a tonicidade das palavras. Já o tônus da vida é reconhecer-se interdependente nas relações que cultiva. Dizer-se conectada  e solidária às pessoas pela empatia, desde que estejam longe e não possam te afrontar, te testar e te tirar do eixo, nunca passou apenas de repertório para suas redes sociais. 

Vem cá, mulher, por que não experimenta a paz que mora nos bastidores dos sentimentos mais simples? Na humildade da autocrítica? Na desafetação? Reconhecer-se ser inacabado é sapiência. Produza o que te alimenta a alma, sem se considerar menos capaz por depender da luminosidade alheia. Estamos todos ao redor do sol, ele não mora no seu umbigo. Deixe que essa ideia te aqueça. E pare de queimar a língua.

domingo, 20 de junho de 2021

Refluxo

Vem das vísceras, o chamado da minha consciência.

O que machuca meu coração dói no meu estômago. 

Por isso quase nunca choro. O que transborda em mim é a bile que me regula e desintoxica. Prefiro a possibilidade de dias amargos que uma história azeda. 

O que busco é o quinto sabor da vida, respeitando meu  sexto sentido, pra não correr o risco de me deixar em segundo plano.

Para digerir certas verdades, as vezes é preciso nausear as incertezas. 

É que coragem requer estômago! 


quarta-feira, 17 de março de 2021

O segundo que fraciona o inteiro

 A gente pisca e o mundo muda.


O sorriso amarela.

A expressão congela.

A paixão aferrece.

O plano se esquece.

A esperança suspende.

A confiança arrepende.


A gente fica na palavra muda.