segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Tumor literário

Metástase? Não, não... é uma palavra muito cheia de sentidos ruins para metaforizar o que vinha acontecendo com sua personagem. E, como queria, dessa vez propositalmente, que aquele fosse um romance passional, não permitiria que Alice, a protagonista de seu conto mais singelo, quanto real, parecesse ingrata aos olhos de seus leitores. 

Frente àquela dúvida quase ignorante, resolveu recorrer ao dicionário. O que fez com que ela percebesse o quanto o vocábulo fora providencialmente escolhido a dedo - mesmo que de maneira despretensiosa. Ela leu: "[Medicina] Alteração de uma doença (na forma ou na sede). [Retórica] Figura pela qual o orador atribui a outro o que diz.". Achou que aquilo era familiar demais à sua personagem que vivia a pulsão de morte de maneira tão exemplar (e ela sabia que aquilo não tinha, definitivamente, nada a ver com a morte em si.). Ao mesmo tempo em que a definição no âmbito da retórica, fosse um tapa de luvas de pelica na autora daquele conto de segunda mão. Era intertextual demais, assim como a maioria de suas crônicas, resenhas e narrativas, sempre tão arrogantemente subjetivas. Ela acreditava que a trivialidade de sua vida fosse genuinamente interessante a todos os leitores e não só àqueles mais despreparados (pela vida) e leigos (sobre a vida). 
  
De qualquer maneira, resolveu, como que por remissão, abster-se do termo. Não poderia, nem queria, que Alice, tão meiga e despreparada, enfrentasse a ideia de que o que sentia de mais puro e forte fosse interpretado como uma enfermidade. Se assim fosse, seria ela toda a multiplicação desordenada de células, tamanha era a sensação de impotência frente à impossibilidade de controle dos seus sentimentos em relação aquele homem. 

Ele sempre mexera demais com seus ímpetos, desde o começo. Mas esse é assunto já abordado em capítulos anteriores. A autora precisava, agora, descrever o que acontecera com Alice, com o repentino retorno dele em sua vida. Em uma vida que já tomava outro rumo, respirava outros ares... que não vivia mais o arrebatamento íntimo, mas, por outro lado, não lhe causava dores tão singulares e indefinidas e, por isso mesmo, tão avassaladoras! Vivia a calmaria, depois de uma rebentação. Vivia, naqueles dias, uma verdadeira ressaca em sua vida. Refluxo de tudo que havia tragado noutros tempos e que lhe entorpecia os sentidos novamente. 

Mas Alice parecia fascinar-se com o medo que sentia daquilo tudo. Sim. Ela tinha medo. E não sabia mensurar qual dos seus temores era maior. A insegurança em relação ao desconhecido que experimentava junto a alguém que conhecia tão bem ou o receio de uma vida estável que lhe proporcionava uma constância  emocional que não chegava a ser a definição de equilíbrio. Ela não teria, fosse qual fosse sua escolha, a harmonia dos sentidos. Teria que escolher entre dois opostos: o marasmo circunstancial e sua apática reação, logicamente prevista, de um lado, e a inquietude de uma vida alvoroçada por ações impulsivas e reações que não podia prever, justamente pelo caráter da relação.  

Se fosse um conto infantil, seria quase que obrigada a plagiar o conto do País das Maravilhas, cheio de seres extravagastes e insensatos, para legitimar sua própria alienação frente à situação que vivia. Ela ouviria a Rainha de Copas ordenando à vida que desse as cartas naquele jogo sem blefes. Se ela ganhasse, acordaria daquele sonho, no ponto onde adormeceu. Senão, a Rainha odenaria: "Cortem a cabeça dela!!!" 

Por Elga Arantes, 2011.

Um comentário:

Elga Arantes disse...

Vc achou que compliquei? Engraçado que, depois de um tempo sem ecrever, não achei vocabulário difícil, não, Francamente...mas, realmente, lendo de novo, achei que dei muitas voltas. Mas não era uma autobiografia romanceada, não. Mas já sabia que seria esse o resultado. Estou enferrujada, mas feliz por estar voltando, aos poucos...

Inté!