quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um Coquetel de Palavras Cruzadas Diretas

    Eu adoro palavras cruzadas. Tenho sempre na bolsa. Para matar o tempo, quando estou gastando o meu precioso tempo, esperando o tempo de alguém. No caso, esse alguém era um médico. Mastologista. Seria minha primeira mamografia. Tirando a covardia infantil masculina, permeado por uma dose obrigatória de preconceito machista, a mamografia, para a mulher,  deve equivaler ao exame de próstata, para o homem. Tensão, ansiedade e consciência do passar do tempo misturada a uma dose de “seiláoque” que rima com medo da finitude humana.
 
    A essa altura de introspecção, já havia feito cinco páginas da revista, contando com três olhadas impulsivas na página de respostas, além das definições repetitivas, que devem ser fruto da falta de criatividade, ou da preguiça, do autor do passatempo, quando resolvi checar as horas. “Passatempo eficiente, essa tal de cruzadinha!” Foi o que pensei quando percebi que o médico já estava mais de uma hora e meia atrasado. E ainda havia duas pessoas na minha frente!!

    - Moça, não vou mais poder esperar. Esse médico está atrasado demais!

    -A senhora quem sabe. - Ela disse, sem levantara cabeça – Seu nome é....- e continuou checando a listagem de pacientes do dia.

    -Tá aqui,  ó! Mostrei, apontando com o dedo, meu nome na listagem.

    -Ok.

    -E a guia?

    -Guia?(...)

    -Sim, a guia da Unimed que assinei. Se não vou  mais utilizar o serviço, você precisa inutilizar a guia.

    - Mas a SENHORA desistiu do procedimento. Se não fosse por isso o Dr. “Acho que sou Deus” teria lhe atendido.

    - E eu só desisti porque ele está atrasadíssimo e eu não posso mais esperar.

    -Sinto muito senhora, são normas da clínica.

    Como a norma mais respeitada que instituí para minha vida era a de não fazer papel de boba, insisti:

    - Por favor, rasgue a guia. Ou vou ter que resolver com outra pessoa, ou de outra forma?

    - Só um minuto, por favor.

    - Tudo bem.

    Quando virei de costas para o balcão onde estava a recepcionista, dei de cara com cinco ou seis  olhando para mim, como se eu fosse um E.T.. Mas não quis fazer como as pessoas que precisam se justificar para o mundo, discursando sobre os absurdos e abusos sociais, políticos e econômicos que  precisamos nos submeter nesse país de terceiro mundo, nem esperar o aval de, pelo menos, metade da plateia; nem que fosse com um aceno discreto, apenas com a cabeça, ou torcendo levemente a boca, em sinal de revolta e solidariedade ao pelejo do próximo. Ao invés disso, apoiei os cotovelos no balcão e fixei o olhar na janela, tentando demostrar um outro “seiláoque”, mas, dessa vez, “rimável” com Sou mais eu.

    A recepcionista voltou com um modelo de formulário, preencheu os dados que faltavam, como dia, horário, médico responsável,e pediu que eu assinasse. Ali, eu assumia a responsabilidade pela desistência do atendimento. Aretusa, a recepcionista, disse que rasgaria a guia, mas que precisava que eu assinasse aquele documento. Completou pedindo que eu não me preocupasse porque aquilo era apenas para controle interno. Pensei um pouco, antes de responder. Tive medo de parecer “espizinhenta” e encrenqueira, mas, afinal, disse, resoluta:

    - Mas aqui não diz o motivo da desistência...

    - Mas isso é apenas para nosso controle aqui na clínica.

    -Eu entendi, mas não sou obrigada a assinar uma coisa com a qual não concordo, sou? Apenas rasgue minha guia, ou inutilize e pronto.

    - Olha, senhora, vou falar com minha supervisora e ver como terei que proceder, nesse caso. Aguarde um momento.

    (...)

    - Elga Arantes. Reverberou uma voz de dentro da salade exames.

    Era a minha vez.

    Minha discussão com a recepcionista se arrastou por tanto tempo que chegara  minha vez.

    Pensei em dizer que não queria mais o atendimento, quando me lembrei do trânsito  na área hospitalar, no preço do estacionamento, da gasolina e do meu tempo tão precioso quanto escasso - ou tão precioso por tão escasso, ou tão escasso e, por isso, tão precioso, e entrei. Articulei meia dúzia de palavras que expressassem minha indignação com tamanho atraso, ao que ele pediu desculpas, justificando que não era culpa dele e “blá, blá, blá, caixinha de fósforo”. Tá!

    Vinte minutos depois, estava eu na recepção, aguardando o preenchimento de uma nova guia, já que Aretusa, a recepcionista, havia rasgado minha guia, com a  autorização de sua supervisora, cabeça de bacalhau (notem que esse foi um aposto ambíguo). Para passar o tempo, peguei a revista de cruzadinhas: “Atividade que faz com intuito de entreter, desviar o ímpeto, aliviar a espera”.

    -”Discussão com recepcionista de consultório médico”, pensei. Mas como a resposta só tinha dez letras, respondi: PAS- SA- TEM- PO!
Por Elga Arantes, 2010.




 

5 comentários:

Daniel Savio disse...

Aff, realmente foram pessoa de cabeça de bagre que te atenderam...

Fique com Deus, menina Elga Arantes.
Um abraço.

Paulo Bono disse...

Não tenho a mínima paciência com clínicas.

abraço

Laguardia disse...

Feliz Natal e um abençoada Ano de 2012 para você e todos os seus leitores

Noé disse...

Feliz 2011 !

Daniel Savio disse...

Faltou a loja emocional...

Mas as vezes é pior quando só resta a opção em se perder para talvez assim se achar, principalmente quando não nem um sorriso a nos guiar em meio este ato de fé (pois vai dizer que não é um ato de fé ser perder em alguém?).

E feliz ano novo menina.

Fique com Deus, menina Elga Arantes.
Um abraço.