quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um problema para suas soluções


"Parece energia, mas é só distorção
E não sabemos se isso é problema,
Ou é a solução"

Vendo-a ali, de beca, sorriso escancarado, muitos amigos, “Quantos homens, meu Deus!”, teve orgulho de si mesmo, sem saber direito o porquê. Esperava sua vez para parabenizá-la. Notou que, ao percebê-lo ali, ela sustentou o mesmo sorriso que oferecia a todos, mas o presenteou com um olhar fixo e prolongado na direção dos seus, ao mesmo tempo em que trocava beijos nas bochechas com um de seus muitos amigos presentes. Depois, voltou-se aos seus para continuar a receber os elogios e a agradecer as congratulações.

Naquele instante, contrariando seus momentos de devaneios solitários, ele sabia exatamente o que o atraia para, cada vez, mais perto dela. Seu ânimo alegremente exaltado em qualquer situação; sua independência; o humor escrachado, meio impróprio, na opinião dele, e, talvez, por isso, tão sedutoramente encantador; e os olhos. Ah... os olhos!E as sobrancelhas! Não conseguia escolher apenas um entre os dois adjetivos, aparentemente contraditórios, para definir sua expressão: força e doçura. A doçura do mel da cor dos seus olhos, muito claros, emoldurados por duas escuras linhas espessas e imponentes. Era um semblante agridoce, o dela. Talvez, por esse motivo, sentisse um leve gosto de torrada com geleia de damasco, cada vez que a beijava. O corpo, os odores mais singulares que os odores também singulares de outras mulheres, o suor tênue, os movimentos esteticamente admiráveis, mesmo nos momentos menos pudicos, a voz um pouco grave que impunha respeito nos momentos mais tensos e a fazia uma mulher irresistivelmente sensual, em outras tantas ocasiões. Assustou-se ao entender que descrevia e detalhava alguém que beijara há algumas poucas semanas.

No começo, zombava do seu jeito de moleca, da sua irresponsabilidade, em momentos onde era aceitável e compreensível ser um pouco desprendida. Aos poucos, foi sendo surpreendido por aquela ex menina e, em poucos dias, passou a admirá-la. Ouvia suas histórias de vida que vinham sempre temperadas com comicidade e despretensão, e se identificava, assim como, com os pontos de vista que ela expunha sobre as coisas, em geral. Noutras vezes, se irritava, sobremaneira, com sua alienação sobre as coisas menos práticas e que situavam-se em esferas mais indiretas e menos acessíveis, mas, ainda assim, conseguia entender seus motivos e perceber seu interesse mascarado. Ela sabia adequar seus argumentos de forma objetiva e, muitas vezes, quase o convencia. Ele se encantava com sua inteligência refinada e explicitada até nas superficialidades, onde poderia ser disfarçada, comumente. E era exatamente assim que ele comprovava a capacidade de juízo daquela mulher.

Mas tudo aquilo se transformava em empecilho quando conjecturava reservar para ela um lugar mais privilegiado em sua vida. Toda a beleza, espontaneidade e alegria causava insegurança, quando pensava na distância que os separava. Toda aquela afinidade, comprovada logo no primeiro encontro, ainda como meros conhecidos, projetava nele um pavor em imaginar afeiçoar-se passionalmente por aquela criatura. Ela ameaçava os projetos mais céticos que ele já fora capaz de desenvolver, ao longo de sua vida adulta.

Se irritava ao pensar que ela era a pessoa certa, na hora errada, e, ao mesmo tempo, a pessoa errada, na hora certa. E como esse paradoxo era perfeito para definir sua vida, naquele momento (!); para ilustrar seus sentimentos em relação a ela; para poder dar a intensidade das suas sensações, em relação as suas certezas, eternamente instáveis. A vida esfregava em sua cara, mais uma vez, a sua completa incapacidade de segurar as rédeas de seu destino, de gerir suas vontades em prol de um objetivo maior. Ele não conseguiria, nunca, fazer suas escolhas. Seria sempre escolhido.

E foi assim que, resoluto, decidiu mais uma vez não decidir nada, pelo menos, nos próximos dias. Aquela firme decisão a respeito de sua indecisão, colocou-o, mais uma vez, em seu devido lugar. Ficou ali, parado, de pé, no centro do saguão, sem saber direito o que fazer. Ele ainda não sabia qual era seu devido lugar. Ganhou um beijo, quando estava distraído:

Não vai me dar os parabéns?”
“Ô, linda, nem vi você se aproximando...parabéns! Você merece tudo de bom.”
"Obrigada. E, então, onde vai me levar?"
"Desculpe, você me pegou desprevenido; ainda não pensei em nada..."
"Tudo bem, eu escolho. Vamos?"
"Sim, claro!"
"As chaves (?)... Eu dirijo"
"Sim, claro..."

Por Elga Arantes, 2009.


*Ilustrações de Galvão em www.vidabesta.com


10 comentários:

Alvaro Vianna disse...

A insustentável leveza do ser

Nina disse...

oi...vc esteve la no meu blog...as peças estão disponíveis ainda. Vc pode me escrever no mvictal@bol.com.br. Um abraço,
Nina

www.bazardaninarosa.blogspot.com

Ela disse...

ei elga!

apesar da super correria aqui em maceió, tento sempre dar uma lida no seu blog e toda vez que entro aqui vejo o quanto vc tem escrito, cada vez mais, melhor!

parei nessa terrinha abençoada por conta de um trabalho social, oferecido pela comunidade bahá'í. minhas principais atividades são aula de desenvolvimento humano e espiritual para crianças, aula para alfabetização de crianças e adultos, grupos de pre -jovens e institutos de capacitação para tb desenvolvimento humano e espiritual de adultos.
aqui realmente é lindo! me passa seu email que te encaminho algumas fotos, sim!

beijos
Luiza

sandro caldas disse...

Não te encontro nunca no MSN e nunca mais te vi lá no Vinil. Que pena, queria conversar mais com vc!
Bom, vou te segundo e lendo seus textos sempre inteligentes e que confirma a minha opinião sobre vc.
Grande beijo e sorte!!!!!!!

Marcos Rittner - Author disse...

Legal seu blog.

Elga Arantes disse...

Marcos, deve ser por isso que meus amigos me chamam de Elgão, o amigão do peito. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

em geral, claro!!!

Luiza, legal demais esse seu trabalho aí. Ser facilitadora é sempre maravilhoso. Mande as fotos pra eu ver no elgaarantes@gmail.com

Sandro, já sei! Quando estiver com a estima por mim mesma meio caida, vou atrás de vc.Vc levanta minha moral demais. E eu adoro.kkkkk Estou voltando, aos poucos. Tava correndo demais...

MR, fui lá, também

Marcos Rittner - Author disse...

Obrigado pelas visitas. Voce tem email?

Alice ainda mora aqui disse...

Elga,

Essas coincidências... Há algo de semelhante entre este post e o último q escrevi em meu nobre e empoeirado blog. Apareça, dêe sua opinião. A minha é qe de pensar morreu um burro e se queremos tanto um alguém, pq não nos lançamos a ele qdo finalmente aparece???

besos
Alice

Corba disse...

Oi, Elga. Já notei que você também é fã do Galvão...

Elga Arantes disse...

Oi Corba, sumido...
Eu sou muito fã dele. Ele é o melhor!
Bj.