quinta-feira, 4 de junho de 2009

"TREM BOM É COISA BOA!!!"

 Zeca Baleiro - Até o fim (Música Completa)


Era um bom dia. Nada de extraordinário, como achava que deveriam ser os dias mais felizes, portanto, era um dia normal. Normalmente bom.

Na sessão de terapia, depois de explanar vagamente sobre sua trajetória pessoal, a terapeuta foi adiante com seu plano.


- Diga-me, qual foi a pior dor que já pode experimentar. Mostre-me sua pior cicatriz. Aquela que hoje mais te incomoda.


Fechou os olhos e pensou nas várias vezes em que sofreu e se decepcionou. Nas vezes em que quase desistiu e nas que não pode resistir e se entre
gou. Pensou nas noites em claro que passou chorando pelo primeiro namorado. Na sua inexperiência que não a deixou enxergar e na ingenuidade que a fez acreditar que toda história de amor tinha final feliz. Lembrou do ciúme doentio que a fez desistir da segunda e avassaladora paixão. Recordou das dores que a força da distância, a crueldade do tempo e a falta de vigilância nos valores mais nobres lhe causaram, quando do fim do amor mais forte que já vivera. Lembrou da decepção, do abandono, da solidão. Dos problemas com sua família, desde os sacrifícios de sua mãe até a irresponsabilidade de seu pai. Na perda trágica de entes queridos. Do desastre financeiro. Dos obstáculos que afetaram, de forma irreversível, sua carreira. Em quanto tempo já tinha perdido.

Depois, apertou os olhos e lembrou do primeiro
beijo, de música popular brasileira, dos lugares que conheceu, de banana quente com canela e leite condensado, nas noites eternas que viveu. De som de piano e saxofone, de entrar no mar em dias de sol quente, de samba, das medalhas que ganhou no ballet, das cartas de amor que tem guardadas. De dormir depois uma noite inteira dançando em festas memoráveis, do céu estrelado da pequena cidade do interior, de cheiro de dama-da-noite do jardim da casa de campo, das declarações de amor que já ouviu, da filha...

E já com os olhos abertos, pensou em como ainda era jovem e no tempo que tinha pela frente. Nas músicas que ainda aprenderia a cantar, nas viagens que ainda faria, nos amores que poderia viver e no amor maior que vivia diariamente. Nos pés que ainda doeriam muito de tanto dançar, no perfume dos cavalheiros-da-noite, das cartas que ainda escreveria, nos novos tombos e nas novas cicatrizes.

Por fim, teve certeza. Levantou a barra da calça jeans que vestia, apontou nas marcas e disse:

- As da perna. Essas cicatrizes são as que mais me incomodam, hoje.

Naquele mesmo dia, extraordinariamente bom, foi que ela recebeu alta na terapia e mudou seu conceito particular para dia feliz. Hoje, ela procura o nome de um bom cirurgião plástico.


Por Elga Arantes, 2009.

4 comentários:

sblogonoff café disse...

O que ser´ue eu achei?
Certas cicatrizes acbam antes de desaparecer?!
Não... Talvez nem seja isso...
Cicatrizes contam histórias. E sempre é uma deixa par um bom assunto.
Eu tenho algumas pequenas de travesuras, de acidentes,afetivas.São nossas marcasúnicas, como s marcas que ficam nas balas!
Receber alta, acho que é finalmente ter entendido a cura, e não necessariamente ter sido curada. Porque o mundo ainda continua e nós também! Nunca é tarde demais (ainda bem!)

Sheyla disse...

Nos dias como os de hoje sentir-se e saber que ainda és jovem é tudo o que eu gostaria para mim. O bom é saber que tudo passa, até a dor e a dor das dores.
Bjs.

Charles disse...

A cura tá dentro da gente.

Bel disse...

... Adorável
Muitas vezes eu me perco nesse vendaval que descreves. Perco-me entre o que é ficção e o que é realidade. De toda forma ... tua poesia concreta sempre revela mrcas de dor ... da dor que há em ti e em mim. A dor que há por aí ... e como só o amor cura ... desejo que ames o amor primeiro: próprio como sabes que ele é.
Um grande beijo,
Bel.