domingo, 31 de maio de 2009

Lixo eletrônico

“Com carinho...”

Deletou.

“Para esclarecer...”

Deletou, de novo.

“...”

Assim estava bom. Pelo menos, era o melhor que podia pensar como título para aquele email, naquele momento.

Será? Deixaria o título para o final. Geralmente, era assim que acabava acontecendo.

Selecionou o texto que estava digitado no editor eletrônico, usou o dedo “mindinho” para pressionar a tecla ctrl enquanto o “fura-bolo” apertava a letra c do teclado. Nesse mesmo intervalo de tempo, buscou na memória o resultado de cada uma das vezes que já fizera algo parecido. Igualmente ingênuo, identicamente desesperador e inegavelmente inútil – ao menos para os objetivos almejados.

Mesmo assim, texto copiado, minimizou a tela, posicionou o cursor em outra página, já no endereço eletrônico dele, e colou. Alinhou, aumentou a fonte, colocou em negrito, depois tirou.

Releu. Engraçado como ontem à noite, quando leu pela primeira vez sua produção, finalizou a leitura com uma interjeição resmungada e em tom de desforra: “Hãã!!!”. Agora, já não parecia tão bom. Apenas cinco horas depois, aquele texto não tinha mais o mesmo impacto, nem o mesmo sentido. Pensou em como a noite podia ser embriagante. Foi então que resolveu mudar algumas frases, apagar outras, acrescentar um vocabulário mais civilizado, menos ressentido, em que o orgulho parecesse apenas ferido e não atropelado e em coma. Melhor assim.

Releu com mais atenção. Ele não entenderia. A menos que lesse umas três vezes. Mas, na verdade, não sabia, ao menos, se ele leria. Quem sabe houvesse cansado de tanta pieguice... Não! Claro que ele leria. Talvez escolhesse a hora mais apropriada ou deixaria para um momento em que não houvesse nada mais interessante para fazer. Ela sabia, porém, que essa última hipótese era quase descartada. Sua vida era agitada demais, interessante demais, muitos compromissos, amigos, shows, churrascos, cinema, teatro, viagens. Assim, era possível que nunca lesse, mesmo.

Talvez, melhor que assim fosse. Como numa roleta russa, deixaria que a sorte decidisse seu destino. A parte que lhe incumbia naquela empreitada era enviar o tal desabafo. Apesar de não acreditar no acaso, aceitou aquela formulação racional como que por intuição.

Com tantas dúvidas, seria melhor deixar aquilo para depois. E já havia decidido que só não o faria mais à noite, já que não queria correr o risco de entrar, outra vez, em catarse. Arrastou o cursor até os botões superiores da tela e procurou o ícone “Salvar”. Clicou. Depois de alguns poucos segundos, apareceu o aviso “Sua mensagem foi enviada” (?) Loteria, jogo de azar ou roleta russa involuntária? Era a única bala no tambor. Agora, menos ainda, acreditava no acaso. Além disso, reforçou sua crença no poder do inconsciente. A sorte fora lançada, de qualquer maneira.

No final da tarde, verificando a caixa de entrada do correio, mal pode acreditar quando viu uma resposta ao seu email. Era a primeira vez que ele respondia a uma de suas investidas. Sentiu acelerados os batimentos cardíacos e se achou ridícula por isso. Como que para se preparar ou acalmar as expectativas que poderiam ser facilmente frustradas, leu, antes, todos os outros emails. Em seguida, abriu, cerimoniosamente, o “inesperado” e leu. “Legal! Parabéns! Você ainda tem o telefone daquela distribuidora que entrega a domicílio? Um abraço, César.”

Antes das conclusões conscientemente articuladas, resolveu ler de novo: “Que chatice! Você se supera a cada dia com suas cafonices! Você ainda tem o telefone daquela distribuidora que entrega a domicílio? Tenho coisas mais interessantes a fazer do que me preocupar com sua dor de cotovelo. Vê se me esquece de vez, César, o imperador, não só de Roma, mas do mundo todo.”. Definitivamente, era isso que estava, implicitamente, escrito lá.

Ele era mesmo muito bom. E havia, também, superado as expectativas dela. Dessa vez, ela não estava frustrada. Não, não. Ele não era mais previsível como antes. E ela, dessa vez, encheria o trinta e oito com cinco projéteis. Os quatro primeiros para cada sensação passional que ainda restara em si, em relação a ele. O derradeiro, para matar a que deve, sempre, ser a última a morrer, por convenção.

Por Elga Arantes, 2009.

5 comentários:

Sheyla disse...

Ih...
Sabe que esse texto me fez lembrar uma história real, rs...
Mas para acrescentar mais, diria que na minha história o "César" trabalhava numa mesa ao lado, no máximo um metro de distância.
Imagina a situação, rs...
Bjs.

Paty disse...

Vc devia escrever um livro de contos, crônicas, não sei bem o nome dessas histórinhas que vc inventa. Já pensou nisso? Saudades gigantes, nossa!!!!!
Bjim.

Bel disse...

Concordo com a Paty. Concordo e quero ter um exemplar da primeira edição.
Sei bem como é escrever e encontrar o título pelo percurso ... quase no fim. E lá no fim ... tudo faz sentido ... do título ao desfecho anunciado. Pequenezas de alma nem merecem ser recolhidas pra se pensar depois ... delete ... como o título que lhe veio primeiro.
Saudades ...
Lindas tuas palavras no meu mundo de bolinhas. Tu sempre me colores.
Beijos, Adorável.
Sininho.

sblogonoff café disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
sblogonoff café disse...

Eu que excluí aí em cima, por um erro grotesco de gramática!
(É que eu sei que sua curiosidade é uma coisa!!rsrs, então, me expliquei!)

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São balas assim que se desviam pela culatra do revólver.
Atire todas só pra ter certeza.
Mas não adianta fugir das evidências.
Todo disparo tem consequência.
Você pode disparar todas elas.
Cada uma tem um traço único.
Único no universo inteiro.
Inconfundíveis traços da bala, sem doçura e sem papel...