sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Parte III - Da colcha de retalhos (ou da noite branca)


Meio ano depois, seu ipod já estava carregado com outras músicas. Um ou outro movimento inédito tinha acontecido na sua vida. No mais, eram tangos: “pensamentos tristes que se podem dançar”. Não tinha mesmo como mudar. Era melancólica por natureza. Não por completo ou em tempo integral, mas era. E isso não era de todo ruim. Ela, no fundo, até que gostava. Os outros é que se incomodavam mais. Já ela, sabia que banir de vez a melancolia de sua vida, seria quase morrer. Ela era inteiramente feita de sentimentos e deles se alimentava. Eufórica e intensa como era, teria mesmo que conservar qualquer coisa de um sentimento mais particular, mais sereno, mesmo que fosse um desalento, afinal, ela precisava de equilíbrio, acima de tudo – mas nem sempre.

Contudo, dessa vez não foi tristeza que a motivou a escrever sobre as relações passionais, como quase sempre acontecia. Queria fazer algo inusitado dentre suas produções. Alguma coisa com marcas de um otimismo pueril e de um romantismo quimérico que ela se envergonhava em tornar público. Há pouco, desde que tais categorias haviam sido escorraçadas de seu inconsciente, que ela os preservava num compartimento secreto do coração e desejou mantê-los assim, até então. Ainda assim, os mesmos desejos que trouxeram à consciência comoções pertubadoramente lancinantes, fizeram-lhe refém. Síndrome de Estocolmo ou ataque de tédio agudo, quem sabe.

Começou a dissertar sobre o caminho que ele percorreu até sua casa e sobre o outro, mais longo, em busca de respostas. Falou do banho que ela tomou antes de sair para o show de rock. Falou da cor dos sonhos dela e da face pálida dele. Falou de como ela dançou freneticamente; de como riu alto, quase escandalosamente; de como ficava alegre quando estava com os amigos e até do cachorro quente com muito queijo que ela fazia questão de comer, antes de seguir para casa. Mencionou sobre os planos dele, as viagens, o carro novo, calça velha apertada e de boca estreita demais. Contou, descreveu detalhes, dialogou com os personagens... E nada! Não conseguia pensar numa boa idéia para finalizar aquele texto. Deixou-o, então, de molho por uns dias. Apostou na fluência de suas idéias condicionada ao estado de suas emoções. Mas, mesmo assim, nos outros dias em que tentou novamente, nada!

Achou, mais uma vez, que o texto se alongava demais. Mas isso não tinha jeito; era assim que sabia fazer. E fazia. Quando se deu conta, estava dando à história um ar interrogativo. Já rabiscava uma frase irônica aqui, outra ambígua ali, deixando o enredo sem conclusão. Reticente... Foi quando (sem hesitar) apelou e escreveu:

“E viveram felizes para sempre!”

Quando puxou o edredon para se deitar, pensou que a frase ainda deixava uma dupla interpretação. Voltou ao computador e acrescentou:

“E viveram felizes para sempre, juntos!”

Virou o edredon e deixou a face estampada que imitava uma colcha de retalhos para baixo. Assim, quando se deitou, via por cima de seu corpo apenas a cor branca da outra face do cobre leito. É que naquela noite ela iria dormir em paz!

Por Elga Arantes, 2009.


4 comentários:

Bel disse...

Adorável,

Vejo um movimento, aliás, vejo passos de dança rodeando o muito que sentes. Grande progresso esse ... que começa pela escrita bem-vinda. Que descreve o que sente tão sinceramente.
Bom saber que os parênteses te acomodaram por um tempo. Esse recurso pode nos fazer bem, querida. Muito bem!
Um beijo,
Sininho

Anjinha Brava disse...

Passei pra saborear mais um texto!
Saudade da sua escrita doce!
Beijocas Elga!

Sheyla disse...

Elga,
Tenho essa melancolia melancólica... Bem parecida com a que descrevestes...
Bjs

sblogonoff café disse...

Substituir a hesitante reticencia por outros pontos indica decisões.
A dúvida é melancólica, ms as decisões traze paz...
ou não!