terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Homenagem ao "Mineirês"

Descobri esse texto na internet e achei de uma delicadeza tão grande que resolvi postar aqui.


"Ouvi dizerem que o sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar das mineiras ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ela me faz um favor. Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.

Mas, se o sotaque desarma, as expressões são capítulos à parte. Não vou exagerar, dizendo que a gente não se entende... Mas que é algo delicioso descobrir, aos poucos, as expressões daqui, ah isso é...

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: "pó parar". Não dizem: onde eu estou? dizem: "ôncôtô?"). Parece que as palavras, para os mineiros, são como aqueles chatos que pedem carona. Quando você percebe a roubada, prefere deixá-los no caminho.

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é "bom de serviço". Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro - metaforicamente falando, claro – ele é bom de serviço. Faz sentido...

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela está boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: - Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).

O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você "não dá conta". Siôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:

- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, olá, me escutem, por favor. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que, "apaixonado com". Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: "Ah, eu apaixonei com ele...". Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas COM alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de bonitim, fechadim, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo: "E aí, vamos?". Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Na verdade, o mineiro é o baiano lingüístico. A preguiça chegou aqui e armou rede. O mineiro não pronuncia uma palavra completa nem com uma arma apontada para a cabeça.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, o mineirês. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas. Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - Eu preciso de ir.

Onde os mineiros arrumaram esse "de", aí no meio, é uma boa pergunta. Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante. Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam... Você não precisa ir, você "precisa de ir". Você não precisa viajar, você "precisa de viajar". Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará: - Ah, mãe, eu preciso de ir?

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra "um tanto de coisa". O supermercado não estará lotado, ele terá "um tanto de gente". Se a fila do caixa não anda, é porque está "agarrando lá na frente". Entendeu? Deus, tenho que explicar tudo. Não vou ficar procurando sinônimo, que diabo. E não digo mais nada, leitor, você está agarrando meu texto. Agarrar é agarrar, ora! Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: "- Ai, gente, que dó".

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras. Eu aviso que vá se apaixonar na China, que lá está sobrando gente. E não vem caçar confusão pro meu lado.

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão". Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom (acho que dá na mesma), ela, se for jovem, vai gritar: "Ôu, é sem noção". Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do tanto de bom que é. Só não esqueça, por favor, o "Ôu" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Ouço a leitora chiar: "- Capaz..." Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "tá fácil que eu faça isso", com algumas toneladas de ironia. Gente, ando um péssimo tradutor. Se você propõe a sua namorada um sexo a três (com as amigas dela), provavelmente ouvirá um "capaz..." como resposta. Se, em vingança contra a recusa, você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "ô dó dôcê". Entendeu agora?

Não? Deixa para lá. É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."? Completo ele fica: "- Ah, neeeeem..."

O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?". Resposta: "neeeem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?". A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo. "É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem..."

Ei, leitor, pára de babar. Que coisa feia. Olha o teclado todo molhado. Vai dar curto circuito! Chega, não conto mais nada. Está bem, está bem, mas se comporte.

Falando em "ei...". As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do "oi". Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade...

Tem tantos outros... O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar: - Ah, fui lá comprar umas coisas... "- Que' s coisa?" - ela retrucará.

Acreditam? O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade". E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará: - Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem, uma senhora docemente me consolou: "preocupa não, bobo!". E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo assim. A fórmula mineira é sintética e diz tudo.

Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: "tchau pro cê", "tchau pro cês". É útil deixar claro o destinatário do tchau. O tchau, meu filho, é prôcê, não é pra outro, 'tendeu?"

Por Felipe Peixoto Braga Neto.
In: "As coisas simpáticas da Vida", 2005.

8 comentários:

sblogonoff café disse...

Esse texto é bem legal, né?!!
Mas ele não é de um desconhecido não, e é até uma boa oportunidade para divulgar o seu autor, que nem se considera escritor. É o Felipe Peixoto Braga Neto, e-mail: felipepeixoto@oi.com.br
Este texto está no livro super bacana chamado " As coisas simpáticas da vida", publicado em 2005! Vale a pena ler!

Um abraço de Selagoas direto procê, uai!!

Pássaro Ermo disse...

Gente, "rachei os bico" c esse texto... Depois dessa até senti mais orgulhosa do meu "sotaquizim"... Moro ak com os capixabas, mas não quero perder jamais meu mineirês que essa terra "bacana demais" me proporcionou...rs...

Elga, a parte que fala... "Ôw, sem noção sô"!!! lembrei demais de vc, qdo vai contar um caso de impressionar, vc fecha os dedos como se estivesse segurando um ovo, coloca as pontas da boca e fala c aquela voz meio rouca e alta, Ôwwwww, sem noção.... kkkk... n tem como n lembrar...

Beijus...Ah, ja q quase n entra no msn, estava querendo te perguntar o que tem de bom p fazer no carnaval...

Sheyla disse...

Elga,
Que texto gostoso de se ler.
Bjs.

Biana França disse...

Adoro esse jeitinho de falar. Tenho uma vizinha mineira e acho o máximo todo aquele charme...
Bjus

Elga Arantes disse...

Oi Estrela, adorei o título do livro do "ex-desconhecido-pra mim". Vou querer ler, sim. Esse é um daqueles textos que a gente lê e fala: "Odeio você, um pouco", não é, Márcia? rsrsrs

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Tifa, Tifa, só vc... tenho mesmo uma mania exagerada de intensificar meus "causos" com a expressão "Ow, sem noção!!!". Ri demais...Pois é, carnaval estarei sem minha Melzinha. Estarei free para qq coisa, vamos fazer alguma coisa juntas, então? Mas não sei bem o que. Vc tem que me contar sobre o Rio.

***

Oi, Sheyla, tão bom que voltou. Mesmo que indefinidamente, rs. Esse texto é mesmo uma delícia de ler. Pra quem é mineiro, então, é mais divertido ainda.

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OOOOiiii, Biana, sumidaça! Olha estou ansiosa pelo próximo texto do "Diário de uns e outros". Não pode deixa´r seus leitores nessa expectativa, nem abandonar o blog desse jeito, hã! Espero ansiosa, hein!

Beijos a todas as queridas. Saudades de todas...

Anjinha Brava disse...

Sou mineirinha, uai! kkkk
Grande abraço Elga!

Bel disse...

Sinto tua falta, querida!
Quando der ... volte!
Um beijo carinhoso,
Sininho.

Dama disse...

Adorei seu "cantinho" Elga!! Cheguei aqui através da Bel aqui acima, pelo seu recadinho de aniversário para ela.

Também tenho um blog, mas ele está abandonado, pura falta de tempo e de inspiração para escrever.

Quanto a esse texto, "Nó, ele é bom dimais da conta, sô!". Tenho alguns amigos queridos em Minas e por isso o texto me deixou saudosa. Adorei!!

Beijos,
Karol-Dama