segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

As cores e as coisas

Do vermelho ela gostava em qualquer situação. Quando estava triste ou feliz. Também gostava da cor refletida nas paredes brancas do quarto, ou da cor intensa que se apresentava diretamente na luminária. O gosto pelas outras cores era sempre condicionado pelo seu estado de espírito (ou do corpo físico, mesmo; ou dos dois juntos). O azul a deixava deslumbrada quando o black-out estava fechado, mas não tinha o mesmo efeito quanto a janela tinha apenas a cortina de vual branco como adorno para o ambiente. Noutras vezes, a mesma cor lhe causava um abatimento morno. De qualquer maneira, sabia que aquela luminária que mudava de cor, incontestavelmente, fora a melhor escolha para o presente que dera a si mesma, no último natal.

Achava que alguns sentimentos também poderiam ser um objeto. E, ainda, que um único sentimento poderia se apresentar de variadas formas e causar distintas sensações, mesmo quando provocado por um mesmo objeto (este, referido como objetivo, ponto central, motivador).

O medo que sentia de amar aquele homem para sempre tinha a medida exata do temor que nutria quando imaginava deixar de amá-lo, algum dia. Esse medo só não era maior do que o de descobrir, num dia qualquer, que aquilo tudo, na verdade, não era amor. O desengano seria um castigo terrível para sua covardia, assim como para sua displicência em acreditar mais no mundo que em si mesma.

Calculava, portanto, que no final das contas todos esses medos eram afluentes que desaguavam no rio caudaloso da incompreensão daquele sentimento pela qual era escravizada. Pela cronicidade daquela doença que um dia fora aguda. Fosse como fosse sabia que as conseqüências da mazela eram reais. Tão reais que a enfermidade transcendia o corpo e sangrava-lhe a alma. Mas gostava da cor do sangue. Sangue corre nas veias, pulsa no coração. Quando esquenta se rebela, deserta do corpo. Sangue é movimento. É reação. Sangue é vida!

Abriu a luminária, apertou bem a rosca que fazia a bandeja de cores girar, até que ela ficasse numa única posição. Ligou novamente o abajur que agora refletia apenas a cor vermelha. Naquele dia, não queria perceber, nem por um momento o azul morno que lhe lembrava gelo seco. O frio que queima sem esquentar. Queria mesmo a impressão do calor. Mesmo que fosse do inferno do desassossego.

Por Elga Arantes, 2009.

7 comentários:

Bel disse...

... E, ela veio! Chegou envolta no tom de vermelhidão. Ainda assim, veio cheia de cores ... como aquelas que se disfarçam na extensão da curvatura de um arco-íris. Veio com uma certa dor imcompreendida, ou disfarçada, ou anunciada pela sua auto-exigência ainda pulsante (tal qual o sangue que lhe confere vida).Veio dizer o que lhe vêm em forma de lampejo iluminado: sua luminária e a possibilidade de amar o desamor, ou ainda, desamar o amor. De toda forma, o amor é a essência da questão. E, isso é a materialização da vida: avermelhada em seu chamado ... anunciado.
Tão bom ler o que escreves, Elga. Acredite ... no amor!
Beijos, Bel.

Anônimo disse...

Credo!

Vai ser deprimida e infeliz assim lá longe!
Não é possível que não tenha alegrias nessa vida!
Talvez se você percebesse a vida com mais simplicidade e humildade, poderia notar as pequenas coisas que trazem felicidade às nossas vidas...

Sheyla disse...

Elga,
O desasossego algumas vezes é produtivo, mas na maioria das vezes creio ser desnecessário. Ah, se fôssemos prudentes a ponto de evitá-lo, heim? Mas há outras forças...
Graças a Deus existem as passagens...
Graças a Deus até as outras forças um dia passam.
Bjs.

Fernanda Matos disse...

Cor jamais ignorada...
Grito...
Expressão...
Derramanento...
De sangue, palavras, sentimentos...
Impossível não reagir ao vermelho...
Beijo amigo e vermelho, Nanda.
Belo texto.

sblogonoff café disse...

Sabe, nas artes o vermelho é uma cor primária. As cores primárias originam outras cores, dependendo da combinação. Algumas combinações são desastrosas, outras explosivas. Por outro lado, existem as combinações harmoniosas, as nuances, o arco-íris, os cristais e as refrações.
Para mim, o Amor sempre foi azul. Vermelho são as paixões, como o fogo. É a paixão que está relacionada com a dor. Passione é sofrimento excessivo, amor ardente. Tem tudo a ver com fogo, com vermelho.
Sei lá... Existe um tom de azul que para mim pinta o amor.
Essas luzes...
Essas luminárias...
Esses medos...
Precisávamos de uma aquarela e de um pote de certezas, embora nem as paixões e nem os amores comportem certezas!!!
Grande abraço, moça!

Anônimo disse...

Se nós pudéssemos ver o amanhã o que seria de seus planos?
Ninguém pode viver na tristeza pergunte aos seus amigos.

Tempos que você enganou, eles estão de volta reclamando.

Eu era o único que lavava o sangue de suas mãos.

Seu coração é duro é feito de pedra e é muito difícil enxerga-lo. Você não precisa ficar por conta própria.

Não chore esta noite.

Eu ainda amo você.

Karen disse...

é...
não sei o que está mais emocionante, o seu post ou os comentários.
e o laranja, que lembra o por do sol, é tão gostoso...
sabe, já senti esse medo de amar para sempre, e me incomodei quando percebi que estava deixando de amar. Tudo muito antagônico.
Coração, deixe a vida rolar, não se apegue aos medos. Depois que enfrentei os meus, nesse mesmo sentido, aconteceram coisas muito boas. vai por mim. se precisar, mesmo de longe, vc tem uma amiga aqui que pode segurar na mão. sempre.
gde beijo.