domingo, 21 de setembro de 2008

Ilusão (prima-irmã da Esperança)


Não. Não é o amor, nem a coragem ou a fé. É a ilusão. É ela o combustível para que possamos continuar caminhando. Mesmo num nevoeiro de incertezas ou sob forte chuva de decepções. Ela acomete a todos. Nem os seres mais racionais estão imunes a tal efeito.

Ainda bem. Não fosse por ela, que engana a inteligência, assim como o faz com os sentidos, tantos de nós, padeceríamos ao primeiro fracasso; ou tropeço, para os menos resilientes * (penso mesmo que quanto menos resiliente, mais iludido o sujeito deveria ser, ou provavelmente é). Não poderia apostar ser uma prova da misericórdia divina ou uma característica adquirida segundo as leis de seleção natural de Darwin. Não há provas científicas, embora também não acredite nelas cegamente, já que, mesmo essas, equivocam-se na interpretação de um fato ou são, por vezes, efêmeras.

Ainda bem. A ciência é produzida por nós, seres humanos. Auto-designados seres falíveis. E até nisso, encontramos evidências de nossa sagacidade. Idolatramos, repetindo para nós mesmos e para os outros o chavão “Errar é humano”, filosofando, sofisticamente, sobre a beleza e sapiência de tal preceito emanado da soberania de nossa raça e, portanto, legitimado. Justifica nossos erros, conforta nossa dor e embaça nossa culpa. Também, pura ilusão.

Ainda bem. Se não fosse assim, não seguiríamos em frente. Desistiríamos, frustrando as concatenações possíveis entre histórias de pessoas diversas. Espoliaríamos o direito do outro de acumular novas experiências para velhos fatos, apresentando mais uma possibilidade para o mundo ao redor. Ao contrário, permitimo-nos deixar os olhos físicos fechados, anulando a possibilidade de uma sinapse nervosa, quando da articulação racional das idéias, e nos deixamos guiar pelas órbitas caprichosas da alma ou por algum instinto de defesa enternecido. Genuinamente humano, tais artifícios.

Ainda bem. Somos artistas. Artistas por natureza? Talvez. Talentosamente, conseguimos, por vezes, produzir nossa própria impressão da realidade.

Ainda bem. Assim, já que a arte imita a vida e a vida imita a arte, nossa vida poderá, por vezes, imitar a arte criada por nós mesmos.

* A denominação fracasso pode provocar danos irreversíveis a quem possui pouca ou nenhuma “elasticidade”. Uma dose mínima de energia é capaz de deformar certos corpos, mesmo os “etéreos”.

Por Elga Arantes, 2008.


12 comentários:

Fernanda Matos disse...

Eu escutei em um desses filmes, que representam a sordidez humana em suas várias facetas e que eu adoro e vou escrever pra vc.
"Pessoas sofridas são perigosas...
sabem que podem sobreviver.
Estou com saudades, de verdade.

Sheyla disse...

Interessante, ontem, estive ao lado de uma amiga e esse texto traduz o que vi e ouvi.
Mas,ainda, penso que o combustível é outro.
Bjs.

sblogonoff café disse...

Nossa,moça...
Eu tenho um tratado imaginário sobre a ilusão.
Em 24 de abril postei algo mais ou menos parecido no sblogonoff, entitulado: No reino da fantasia.
Eu me considero uma autista funcional, por criar um mundo imaginário e acreditar que as coisas funcionam ali. Por mais concretas que sejam nossas relações aqui na internet, elas não me causam os sentimentos do que cotumo chamar de Mundo Real.
E olha, nesse ano resolvi viver as realidades e se quer saber dos efeitos... Foi dor.(Desilusão?)
E as reticências continuam em meu encalço, ou será o contrário?! (...)
São diversos universos, paralelos, aleatórios, seja lá como existam. A realidade é uma coisa fragmentada demais e às vezes é preciso ter dom de Macabéia para continuar.
Ah, que saco, queria mesmo era sentar e conversar, num sofá real, onde o relógio não estivesse me indicando que é preciso clicar em "publicar o comentário".
Mas...
Tenho que ir.
No final de tudo, no mdc das contas, existe um corpo real que carrega um espírito real que precisa encarar os benefícios da dor e da delícia de ser que é.
Aqui.
Bem aqui.
Use your illusion

Bel disse...

Precisão: "Espoliaríamos o direito do outro de acumular novas experiências para velhos fatos, apresentando mais uma possibilidade para o mundo ao redor".
Elga, acho que isso é o que nos move...procurar sobre os fatos mesmos as coisas outras. Ser um milhão em um, se menos pra ser mais. O simples é sempre o mais difícil. Eu também agradeço o afago terno da Ilusão quando ela me acaricia, quando ela se torna suprimento. Mas, concordo com a Sheyla...acho que o combustível é outro, ou, o mesmo: o amor.
Sempre adoro ler sobre tua inquieta forma de viver.
Beijo, Bel.

Anônimo disse...

Legal...

Elga Arantes disse...

Oi Nanda,

Mande, sim. Também estou com saudades.

Meninas, ilusão também é amor. Amor à vida!!!

Michele, sinto-me assim como você muitas vezes em que aqui estou.

Alê, que bom que está aqui. Volte mais!!!

Beijos.

Karen disse...

Florrrrrr,
passei corrida para deixar um beijo. amanhã volto para ler.

Este serve para Mi, Paty, Sheyla...

bjs

Bel disse...

Elga querida!
Escrevi algumas coisa pra ti lá na minha casinha, quando puderes vai lá ver... me ver!
Um carinho e um beijo,
Bel.

Karen disse...

Oi coração,
adorei o post...sabe, se pensarmos dessa maneira, ainda bem que existe a ilusão. De certa maneira depois de alguns tombos, a ilusão - coisa considerada de gente "fraca" - nos leva a vencer...de alguma maneira não nos deixa desanimar.

Quanto ao fracasso, falei sobre isso na minha última sessão de terapia, anteontem...ainda estou trabalhando nisso.

bjs com saudade

Karen disse...

espero que esteja td bem. Aqui tudo mais tranquilo. Coração mais esperançoso...

bjs

Bel disse...

Um Oi! Uma saudade!

Patrícia Ferraz disse...

O discurso foi sempre contrário a ela. Negava-me a gostar, aceitar ou propagar ilusões. Chamava-as todas de mentiras. E propalava a quatro cantos a necessidade, a urgência, em viver a verdade. Já postei sobre isso também, em http://palavravulsa.blogspot.com/2008/06/mulher-bomba-no.html
Agora, sou menos radical. E me arrisco até a concordar com vc.

Agora outro assunto: sabe que lendo esses blogs (seu, da michele, da karen e o parafrancisco) me sinto desafiada a pensar, a articular melhor minhas idéias, a ser e escrever melhor!?
Tenho que agradecê-las... Obrigada!