terça-feira, 12 de agosto de 2008

C.M.B.H

Não imaginou que a nostalgia fosse o sentimento que mais fortemente a tomaria, afinal, não era a primeira vez, em quase dezessete anos, que voltava a passar por aquelas ruas. Porém, após uma súbita e forte sensação de indignação e impotência, foi a melancolia que fez companhia a ela, no tempo em que ali permaneceu.

Nunca imaginou que teria a coragem para perambular a pé novamente por aqueles caminhos, como já fizera inúmeras vezes, há anos. De carro, às vezes, usava as ruas sinuosas da região apelidada “Cracolândia” para cortar caminho, evitando o trânsito intenso das horas de pico do dia. Espantava-se, muitas das vezes, quando percebia, ainda antes das oito horas da manhã, alguém acendendo um cachimbo com a mesma naturalidade de quem toma um gole de café – talvez fosse mesmo aquele cachimbo o desjejum do indivíduo.

Claro, reparara que o cenário era mais feio e mais triste que o de tempos atrás, mas nunca poderia ter sentido a força avassaladora do tempo, se não tivesse descido do carro, enchido o peito de coragem e ar (que parecia faltar aos pulmões) e prcorrido o curto trajeto em forma de “c” que era comumente usado como retorno. Observou cada detalhe responsável pela decadência do local e que, nos anos de sua adolescência, praticamente inexistiam. Prestou atenção na imundice do lugar, com moitas de lixo enormes a cada cinqüenta metros, o comércio muito simples e carente, com letreiros contendo erros de ortografia e um cheiro indiscutivelmente desagradável. O conjunto habitacional tinha a pintura antiga e velha, com suas janelas de ferro desgastadas e descascadas, mas não era essa a novidade que lhe causava tristeza. Era o muro alto em seu arredor e as janelas gradeadas, acusando que a violência urbana exigiu novas providências, também naquele local.

Entre aqueles prédios, cortara caminho, todos os dias, na volta para casa, ao sair da escola. Algumas vezes, nas pracinhas, jogava baralho com os amigos ou sentava-se com eles para tocar violão e jogar conversa fora, até ser surpreendida pelo retumbante badalar do sino da igreja que tem, até hoje, São Cristóvão como padroeiro.

Na outra margem da rua, (rua que representava tão fielmente a outra margem - a da sociedade) ainda resistia, o prédio onde funcionou o colégio em que estudara durante sete anos. Naquele prédio, situado na “boca” de uma das favelas mais temidas da grande cidade, viciou-se na alegria, nas novidades da juventude. Sua "droga" era a vida, e medo só tinha mesmo das argüições da professora Solange, famosa por sua exigência intransigente. Ali, entrou menina e saiu mulher; entrou indivídua e se tornou sujeita. Ali, experimentou pela primeira vez a sudorese e o formigamento no rosto, quando de sua primeira paixão adolescente; especulou pela primeira vez sobre situações, até então, apenas imaginadas e supostas intimamente. Ali mesmo, naquele edifício que não parecia mais imponente como nos tempos em que o freqüentava, fez amizades que perduram até hoje. Ali, sua vida aconteceu cor-de-rosa do batom à moda da época e bege da falta de graça das descobertas e dos sentimentos menos nobres, mas que não chegava a ser o cinza dos dias mais sérios que ainda viriam.

Lembrou das batucadas nas olimpíadas do colégio; dos festivais de dança; das aulas de filosofia no horário vespertino, uma vez por semana; dos churrascos e festas na casa dos colegas; das viagens; dos apelidos divertidos e dos muitos anos de convivência diária com aquelas pessoas.

A moça gentil da Secretaria de Educação, então, se aproximou:
- Vamos? Estava te procurando, onde estava?
- Por aí; passeando...
- Aqui? Mas que falta de gosto! (risos).

Gosto foi a única coisa que não faltou na excursão dela por aquelas ruas. Sentiu até o da pipoca doce de saquinho que gostava de comer, ao sair da escola, para despistar a fome que precedia a hora do almoço.

Imaginou que o encontro com alguns de seus antigos colegas lhe traria mais lembranças e que sofreria a sensação do imperialismo do tempo em cada rosto que contemplasse. Mas não tinha receio disso. O medo que sentiu foi o de não conter a emoção, em algum momento, quando entre eles estivesse, assim como não pode evitar ali; bem ali, de frente para aquele prédio e entre a pesada cruz da saudade do passado e a espada imaginária que empunhava para desafiar o futuro.



11 comentários:

sblogonoff café disse...

Nosso rastro é uma história cheia de significads, que talvez não tenham sentido para as moças gentis, mas que para nós são pecinhas que remontam o que somos hoje.
Natural lágrimas e nostalgia. É como se um dedo invisível tocasse o que fomos e sentíssemos o toque no próprio presente.
A mesma praça, o memo banco, nem sempre são os mesmos, mas estão de alguma forma, habitando intensamente um universo paralelo, com o qual fazemos contato de vez em quando, imersos dentro de nós, num lugar atemporal.
O futuro não precisa ser desafiado.
Precisamos apenas nos render e ele será!

Um grande abraço, moça!
É estranho, mas... Saudades!

Bel disse...

Fiquei com vontade de andar contigo, pelas ruelas da tua meninice. Fiquei com vontade de te ouvir falar melancolicamente como tudo havia diminuído assim... tão repentinamente, de como tudo era mais vivo e menos cinzento.
Penso que nossos olhos sempre guardam grandiosidades. E, as vezes, o contato diminui drasticamente algumas imensidões. O retorno é sempre uma possibilidade de impulso.
Bom que voltou!
Um beijo, Bel.

Karen disse...

A Mi como sempre soltando as palavras sábias...bom, uma vez escrevi sobre algo parecido que fiz e me senti um pouco assim, nostálgica...acho que eh normal sentirmos saudade de sermos crianças sem tantas responsabilidades além de fazer o dever como a professora Solange mandou...
Mas isso eh sempre bom para ermos o quanto nossa vida muda, e ainda bem, evoloui.

sauades..espero que esteja muito feliz hj!
bjs

Sheyla disse...

Elga,
Talvez uma aproximação ao isolamento alegre semelhante à Maria Cecília.
Bjs.

Anônimo disse...

IAPI

Sheyla disse...

Coração,
Hoje, ainda, pode ser um outro dia, né?
Assim espero.
Bjs da vovó.

PS: estou na fase vovó. É muito bom. Depois te conto, rs...

Karen disse...

Coração,
do jeito que te conheço imagino que ontem deva ter sido um dia de grandes conversas!
Aguardo notícias suas, te mandei um e-mail, não sei se recebeu.
bjs, uma ótima semana para vc e a melzinha fofíssima.

Fernanda Matos disse...

Será que aqui vc responde?

Bel disse...

Oi! Vim ver alguns rastros de antes pra suprir a falta, sabe?
Venha logo que puder, sim?
Um beijo afetuoso.
Bel.

Anônimo disse...

Depois de tanto tempo e questionado pela falta dele, decidi desperdiça-lo com a nostalgia. Há muito não visitava este blog, é estranha a sensação ao lê-lo novamente. Seria nostalgia? A resposta que tenho é um solavanco acrescentado a um pontapé que me foi dado no orkut; impressionante como não vemos o tempo passar. É... estou mesmo precisado de visitar lugares e rever amigos. Obrigado pelas palavras e continue esta visita agradável. Beijão.

Elga Arantes disse...

Oi meninas,

Saudades de todas.

Tomei puxões de orelha, mas acho que consegui me explicar.

Eleição mexe mesmo comigo, Flor. Mas dessa vez, contive-me um pouco mais.

Rodox, não sabe como fiquei feliz por estar aqui. Adoro vc. Saudades...

Beijos.