quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O próximo nascer do Sol...

Alice chegou exausta, mas não se sentia triste. A sensação mais forte era de alívio. Cansaço, pesar e alívio. Era nisso em que se resumia o estado de seu corpo e de sua alma. Resolveu tomar um banho longo para se sentir mais limpa, mais leve...

Não gostava de funerais como a maioria das pessoas, mas aquele, em especial, se tornara uma tarefa mais árdua por se tratar de alguém que era mais que um ente querido. Ela houvera-o acompanhado por muito tempo, participara de muitas de suas conquistas, observara de perto seu desenvolvimento profissional, chorou com ele tantas vezes por suas derrotas. Agora ele descansava em paz.

Tentaria, então, retomar as energias perdidas no ano último em que passou ao seu lado. Naquele ano, especialmente, lutara para ajudá-lo a vencer aquela doença horrível, mas fora em vão. Era crônica e degenerativa, a enfermidade. E assim, venceu-lhe. Fora, também, mais forte que a boa vontade dela, que suas esperanças. Aquela batalha a levou a um esgotamento possivelmente maior que o dele. Este já havia se rendido mesmo aos sortilégios daquela moléstia. Mas ela combatera ali, lado a lado com a fé e de braços dados com toda expectação possível para um momento como o que vivia aqueles dois.

Sentiu pesar. Sentia-se pesarosa por tamanho esforço esbanjado. Também sentiu pesar ao lembrar que já no leito de morte ele lamuriou o passado e evocou mais um ensejo. Interessante como justamente naquele momento invulgar, Alice percebera que ele estava menos inepto de seus feitos. Estava claramente consciente das suas perdas. A mesma coisa não poderia ser dita da consciência que tivera da sua condição naquela altura dos acontecimentos. Era tarde demais para mais pelejo. Lastimara por tanta juventude jogada fora, por tanto amor que ele não poderia viver mais. Assim, ele se fora definitivamente. Não faria mais parte daquele mundo. Do mesmo mundo que ela.

Ela sabia que sentiria saudades. Pior, sentiria sua falta. A saudade era algo capaz de ser sanado por mais transgressora que aquela certeza pudesse parecer aos olhos alheios. A falta, por sua vez, não! E ele fará falta, principalmente, quando ela se sentir feliz. Ela sempre o procurava, pelo menos, para ouvir sua voz quando sentia alegria, mesmo quando daqueles contentamentos, dos quais não sabia justificar, pelo menos em princípio. Engraçado que quando a situação era o inverso do regozijo ela fazia questão de preservá-lo. Dissimulava, sempre que possível, estar tudo bem. Omitia suas dores para não fazê-lo senti-las também. Pretendia que ele a enxergasse como alguém sempre jubilosa e confiante de si e na vida.

Se fazer assim também a fadigara. Na verdade, sentira-se completamente exaurida. Por isso, experimentava, nesta hora, o sentimento de consolo. Mais ainda depois daquele banho. Desligou a ducha, vestiu o roupão muito alvo, enrolou uma toalha nos cabelos encharcados e quando ia calçar os chinelos que estavam do lado de fora do box (não tomava banho calçada, pois achava que o banho ficava incompleto) brecou o movimento voluntariamente e desistiu. Resolveu ir para o quarto descalça. Gostou de ver as pegadas de seus pés molhados que deixava para trás. Quando chegou ao quarto, desenrolou a toalha dos cabelos, estendeu-a sobre os travesseiros sobrepostos e se deitou. Acendeu o abajour e ajustou os fones nos ouvidos. Antes de apertar o play, duvidou que ele descansasse num sossego mais aconchegante que o dela. Se ele descansava em paz, ela era o próprio branco daquela. Cerrou os olhos e antes de pegar no sono dos anjos ainda pode ouvir o trecho da música que a embalou. Seus lábios se movimentavam produzindo um sussurro que declamava: “depois que você foi embora eu fiquei sozinha olhando o sol morrer...”.

Por Elga Arantes, 2008.

11 comentários:

sblogonoff café disse...
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sblogonoff café disse...

Ei!
Antes de tudo, eu e a Karen (falta a Patrícia!!)votamos que você é Coração! Coração integra, agrega e você acabou fazendo isso com a gente!! Somos amigas de infância!

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Sabe o que eu vim ouvindo do trabalho até aqui? Muitas músicas!!Rsrsrsrs!!
Entre elas, Paciência, que também é do Lenine como o trecho derradeiro do seu post.

O Chico tem aquela frase sobre a saudade que descreve muito sobre o que é sentir FALTA: "a saudade dói como um barco que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais".
Acho cortante isso, porque a gente percebe as coisas ali, mas agora de uma maneira diferente, fora do alcance das mãos. E o coração precisa ser grande para alcançar as coisas fugidias. Precisa ser como o sol, que morre indo para o Japão, que está tão distante daqui, mas é tão poderoso, que leva oito anos depois de sua verdadeira morte para sentirmos seus efeitos, a falta da luz.

Tudo que parte acaba nos partindo também.
E tudo isso me deixa com vontade de chorar e ficar no breu.
Hoje foi um dia estranho.

Patrícia Ferraz disse...

Em primeiro lugar, ratifico com alegria o voto pelo pseudônimo CORAÇÃO. (Tô achando isso tudo o máximo, igual a uma criança!!! rs) Não opinei sobre os outros, mas achei adequados demais. Michelle tem uma luz realmente singular. Karen, doçura. Só não vejo muito de boneca em mim. Se soubessem o quanto sou estabanada, esculhambada às vezes! rsrs Outro dia tive que ouvir meu namorado dizendo que minha irmã é bem mais charmosa que eu. Eu sou do povo! Mas concordo com o apelido porque ele é carinhoso, e eu, vaidosa, deixei no perfil uma foto com muita maquiagem, que pasteuriza o semblante e faz mesmo parecer de boneca.
Bom, mas pra resumir, nomes aprovados!!!

***

Só não fico muito feliz com esse ambiente de desconsolo por aqui(s). Achei tristes esses últimos posts. Senti uma dorzinha nas letras de vocês, uma vontade de não estar.
Respeito. E até acho que depois desse período a gente consegue se renovar bem.
Por outro lado, quero consolá-las. Essa (O último pôr do sol) foi a música que o Hugo postou no orkut dele em homenagem a mim na semana em que descobri que iria realmente pra Varginha. Uma das noites, passei ouvindo-a e chorando. Soluçava pela possibilidade de ver finda uma relação que nem bem se havia iniciado, com gostinho de muitas perspectivas e novidades. Mas, meninas, ainda que seja o último entardecer e a partida do astro, o pôr do sol também aquece. A voz do Lenine consola. E a dor, esta passa. Podemos ter certeza. E quando passa, sentimos alívio. Ficamos com as boas lembranças e, principalmente, com o aprendizado. A dor, o pôr do sol, a música, a voz do Lenine, as nossas relações, viram bagagens. Não malas, mas aquisições espirituais que seguem conosco e nos fortalecem rumo à perfeição distante.

Se eu fosse ESTRELA, deixaria um sopro de Eves. Se eu fosse CORAÇÃO, um carinho em cada uma. Se eu fosse flor, me despediria com um beijinho.

Bonequinha, deixo um suspiro! Suspiro de aliviar as dores, sentir os cheirinhos, e criar expectativas novas para o próximo amanhecer...

Patrícia Ferraz disse...
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Karen disse...

Fico extasiada com tantas coincidências...lenine, assim como Zeca baleiro, me lembram minha mãe, e ouço muito quanto não posso estar perto dela.

Coraçãozinho tá apertado hã? Bom, quem sou eu para falar de perdas, já que nos últimos anos sofri as piores perdas da minha vida. Minha avó que me criou, meu pai e minha filha. Dores diferentes, mas todas perdas. Todos fazem imensa falta.
Com o tempo nos acostumamos com ela, mas torna-se um sentimento presente para o resto da vida.

Com cada uma delas aprendi algo. Valorizo mais as pessoas queridas e tento demonstrar meu amor sempre, pois nunca sabemos quando elas irão, ou quando iremos embora deste mundo. Entretanto, a sensação de ter demonstrado tanto amor a eles sempre me deixou muito em paz. Sou extremamente emotiva, e não tenho vergonha de dizer "eu te amo" sempre que tenho vontade.No dia em que minha avó faleceu (foi um enfarto fulminante, ela nem adoeceu) falei horas antes com ela ao telefone, rimos, conversamos e antes de desligar dissemos "eu te amo". Idem com meu pai.

Infelizmente esta é a única certeza que temos na vida. Já perder a Valentina inverteu a ordem natural das coisas mas sei que ela sempre estará comigo e maá-la tanto faz com que ela continua viva dentro de mim.

Bjs a todas.

Elga Arantes disse...

É Karen, coração apertadinho, disse-me Alice. Morte 'matada' é sempre pior que morte 'morrida'...

mas,

"A vida é assim, esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta, o que ela quer da gente é coragem"

A Patrícia é mesmo uma bonequinha viu, gente?! Eu vi... rsrsrs. É muito modesta!

"Tudo que parte acaba nos partindo também.". Me partiu em mil. Pior que foi quase suicídio também.

Carinhos, muitos!

sblogonoff café disse...

Ai, gente,
e não é que o dia amanheceu chuvoso aqui!?!
Rsrsrs!
Eu ri, né?!
Eu espero que a cola seja suficiente para colarmos os tais caquinhos do velho mundo e esperar que a sorte que virá num realejo faça tudo parecer novo de novo!

Mas sabe, se você girar a chave por dentro, um dia nublado pode ser cheio de luz também.

Por falar em sol, o meu último post vai se auto-destruir em poucos dias. Eu não sei se você notou o post oculto ali. É só "fazer que" vai selecionar o espaço em preto e um texto surgirá!
Eu, triste e inventando moda...
Agora eu preciso muuiiiito de uma cama!

Sopro de Eves, garotas!

Sheyla disse...

Elga,
Cá estou em plena madrugada, são 2h22min, rs...vários 2, heim?
Leio suas palavras e suspiro...
Depois leio os comentários e
mais suspiros...
Que bom ter descoberto vcs.
Bjs.

Karen disse...

Oi Elga coração!
Espero que Alice esteja com um tiquinho menos de dor. Sei que dores de perdas demoram mais para passar. Sabe que adianta muito se recolher nestes momentos, mesmo que seja só umas horinhas. Recolher para nada fazer, recompõe.
Ouvi umas 20 vezes a música aqui, saudade da minha boneca, da minha mãe que agora tá longe..
**
Tá na cara (rsss) que a Paty eh sim boneca! E sendo estabanada fica mais original!

Michelle,
Aqui amanheceu (quer dizer, não sei se amanheceu pous levantei quase agora) um céu azul imensao, lindo...solzão. To até pensando em pegar o carro e descer até a praia. Não tenho nada para fazer mesmo. Se morássemos todas na mesma cidade nos encontraíamos num parque para caminhar e falar abobrinhas, enquanto a Mel brincaria leve e solta...


Bjs em todas.

Anônimo disse...

Tantos sonhos morrem em poucas palavras,um bilhete curto e já não há nada.
Alice, não esqueça do nosso amor,
sera que eu tenho sempre que te lembrar.
Todo dia, toda hora, eu te imploro por favor:
Alice não escreva aquela carta de amor.
Sempre tive medo das suas idéias. Porque você precisa ser tão sincera?
Alice eu tô treinando pra te enfrentar,tenho mil motivos pra você me suportar.
Fica mais uma semana, nesse tempo a gente engana.
Alice não escreva aquela carta de (des)amor.

Anônimo disse...

Foi câncer Elga?... Meus sentimentos... só faltou o bonequinho q explode ...