domingo, 6 de julho de 2008

O medo dela nasceu de uma metáfora.

- Nasceu?
- ...

Ouviram um choro tão forte, tão marcante que deduziram ser de mulher.

- Sim, nasceu.

Era mesmo uma menina. A terceira.

Seu choro era de medo. Medo de tudo, medo daquele quarto. Medo daquele desconhecido. Aquele homem a tirara de sua habitual tranqüilidade. Lá estava protegida. Não havia riscos - ela supunha. Não há riscos para quem não ousa. Ele a tirou da sua rotina e por causa dele não poderia mais planejar o que não fazer. Teria que fazer alguma coisa depois daquilo – ela nascera.

Por outro lado, já era hora. Hora de enfrentar a vida cá fora. Existem outras delícias que só o risco proporciona. Mesmo assim ela tinha medo. Mas era recém-nascida e não sabia, ainda, explicar exatamente de quê. Por isso, chorava. Era assim que expressava sua revolta, seus medos inoculos pelo novo mundo.

Algumas horas se passaram e, não se sabe bem o porquê, ela não resistiu. Parara de respirar, simplesmente. Suavemente. Sem angústias. A expressão do medo foi aos poucos se desfazendo. Aquele corpo embotado também era, agora, sereno.

E mesmo depois de tanto sofrimento, acharam por bem dar-lhe um nome. Sua face limpa de nuvens, alva como de um anjo, sugeria Gabriela. “Enviada de Deus”, “Anjo da guarda”.

A partir dali, contraditoriamente, a lembrança de um ser tão inexperiente guardaria seus progenitores das irresponsabilidades e intempéries dos momentos que ainda viriam. Porque dos momentos que se passaram, ela já os livrara.

Afinal, se perguntaram se ela chegara mesmo a nascer.

Mas era inegável: ela sempre existira. Um pouquinho em cada um dos dois. E agora, os dois eram um pouquinho dela também.

Por Elga Arantes, 2008.

Um comentário:

Anônimo disse...

Estou gostando de ver ... ou melhor de ler... a produção está intensa...diversificada...pessoal
abrangente...caridosa...e responsável...
Beijo minha amiga.